23 de janeiro de 2009

"A ciência não nos libera porque nos torna mais sábios, mas é porque nos tornamos mais sábios que a ciência nos libera."

A frase-título do post está presente na introdução do já clássico livro de Introdução do Estudo do Direito, de Tércio Sampaio Ferraz Jr., e nos faz indagar sobre o real papel da ciência no mundo "pós-moderno" em que vivemos.

Um dos problemas centrais da filosofia da ciência, e da filosofia do direito, é a questão sobre o papel da ciência na sociedade, tema que está em constante debate e transformação no meio acadêmico.

Quando utilizamos o termo ciência de modo coloquial relacionamos sempre à imagem de alguém careca, usando óculos e vestindo uma bata branca, realizando experimentos em um laboratório repleto de tubos de ensaio, pipetas, cubas e outros instrumentos que aprendemos a denominar quando fazemos aulas práticas de química na 8ª série do ensino fundamental.

Guardamos uma imagem de ciência intimamente ligada ao que entendemos por ciências naturais (física, biologia, genética, matemática, etc...) exatamente como aprendemos na disciplina de "ciências" no ensino de 1ª à 4ª série do primeiro grau, quando estudamos os elementos da natureza, as espécies de animais e suas funções vitais, a forma e o movimento da terra, entre outros temas que visam introduzir, ainda que de modo inscipiente, em razão do desenvolvimento da atividade pscico-cognitiva das crianças que acabam de sair do jardim de infãncia, mas que deixarão marcas profundas no modo como os adultos irão compreender a expressão ciência.

Chega-nos como primeira impressão acerca do que venha a ser ciência tudo aquilo que possa ser verificado através de experimentos, de testes, e que por essa via possa resultar uma explicação racional através da observação de fenômenos pelo sujeito ou cientista.

Talvez esse seja um dos motivos da comum dificuldade em admitir a existência das chamadas ciências culturais, caracterizadas pela presença de um juízo de valor, tais como a Sociologia e a História, ciências explicativo-compreensivas, ou o Direito e a Moral, ciências compreensivo-normativas, como ensina o mestre Miguel Reale.

A compreensão moderna construída ao longo do século XX do que seja científico ou não está em muito associada à teoria de Karl Popper, baseada na premissa do falcificacionismo das proposições que se pretendem científicas, ou seja, as teses devem ser submetidas a testes de falseabilidade para constatação de sua cientificidade ou não, partindo-se do pressuposto de que todos somos humanos e como tais podemos errar, além da recepção da idéia de que nossas possibilidades de conhecimento são limitadas enquanto que a natureza dos objetos a serem conhecidos é ilimitada.

Guardadas as devidas proporções com o estudo do Direito, já que Karl Popper, filósofo da ciência, desenvolveu sua teoria tendo como pano de fundo as ciências naturais, os que se debruçam ao estudo das ciências jurídicas devem buscar elementos que justifiquem a própria existência do Direito como ciência, assim como fez Kelsen na sua "Teoria Pura do Direito", senão para fornecer respostas à problemática questão lançada por diversos estudiosos "Afinal, é o Direito ciência?", pelo menos para inteirar-se dos instigantes debates e tentativas de elaboração de uma teoria que explique o fenômeno jurídico como científico. O que não afasta a necessidade, para mim inerente, de buscar o entendimento do que seja o conceito de justiça, em que pese a consideração de ser este significativamente mais complicado, do ponto de vista filosófico.

Dito isso, longe de pretender aprofundar a questão neste post, particularmente acho interessante a corrente que observa o Direito como objeto cultural, traço que o distingue dos fenômenos físicos, pois, enquanto estes se propõem a investigar, descrever e disciplinar o que é determinado objeto, o Direito intenta regular o que deve ser, assim como a ética.
Essa visão nos permite enxergar o Direito como obra humana, que até pode ser obra de arte manifestada em alguns instrumentos legislativos (ex. Código de Hamurabi, hoje exposto no Museu do Louvre em Paris), mas também produto humano no sentido de que está sujeito à falhas e imperfeições próprias do homem. E é dessa característica resulta o primordial papel da hermenêutica.

Por fim, cito uma passagem escrita por Lúcia Santaela em "O que é semiótica". Afirma a professora:
"Toda definição acabada é uma espécie de morte, porque, sendo fechada, mata justo a inquietação e curiosidade que nos impulsionam para as coisas que, vivas, palpitam e pulsam."


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A propósito, com o intuito de apimentar a discussão tratada no post, observemos algumas célebres frases sobre essa relação Ciência/Direito/Justiça, algumas presentes no livro "Introdução à Ciência do Direito" de André Franco Montoro:

"Teu dever é lutar pelo direito, mas no dia em que encontrares o direito em conflito com a justiça, luta pela justiça." Eduardo Couture

"A análise do sentimento de justiça foi feita por S. Tomas em termos que nunca foram ultrapassados." Leon Duguit

"O amor à justiça, na maior parte dos homens, não passa do temor de sofrer uma injustiça." La Rochefoucauld

"O Direito não é nada além do mínimo ético." Georg Jellinek

"Ser bom é fácil. O difícil é ser justo." Victor Hugo

"O homem sensato não necessita de leis." Rousseau

"Enquanto as leis forem necessárias, os homens não estarão capacitados para a liberdade." Pitágoras

"A justiça é a vingança do homem em sociedade, como a vingança é a justiça do homem em estado selvagem." Epicuro

"Quando os homens são puros, as leis são desnecessárias; quando são corruptos, as leis são inúteis." Disraeli

"As leis mantém seu crédito não porque são justas, e sim porque são leis." Montaigne

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Um comentário:

Anônimo disse...

Douglas,
Reconhecer o direito como conhecimento científico é antes de tudo saber que o mesmo é construído por meio de paradigmas mutáveis e relativos aos anseios da sociedade vigente. Ou seja, como qualquer conhecimento científico, inclusive na seara das ciências exatas, o importante é não perder de vista que o conhecimento produzido não pode ser compreendido como algo absoluto, nem tampouco imutável.
É premissa básica perceber que toda idéia desenvolvida trata-se apenas de um ponto de vista, numa construção de síntese e antítese, a partir do momento histórico vivenciado.
É a realidade vigente que constitui, legitima e desenvolve o paradigma/conhecimento a ser adotado, não se podendo esquecer a idéia de justiça na concretização das novas normas construídas, sob pena de se aniquilar os direitos até então adquiridos.
É pelo reconhecimento de que a norma posta (paradigma vigente) é instituto mutável e legitimado para dado momento histórico que se rompem e desenvolvem-se novos paradigmas, às vezes radicalmente opostos, sendo verdadeiras rupturas do modo de pensar, outras vezes pequenas alterações, a fim de se adequar a realidade social aplicada.
Importante é perceber que a prejudicialidade se encontra na dependência do paradigma/ponto de vista/conhecimento vigente, em que nos conformamos com o posto sem questionamentos se o mesmo ainda atende as nossas necessidades ou se ainda é válido. E é exatamente aí que nos distanciamos da JUSTIÇA.