24 de março de 2009

Análise econômica do direito: a tentativa de aproximação entre a norma jurídica e os fatores econômicos.

Em tempos de crise financeira a exigência de que o direito possa ditar padrões de conduta compatíveis com o desenvolvimento econômico parece ficar mais evidente, surgindo para aqueles que defendem uma vinculação entre o conteúdo da norma jurídica e o mundo dos negócios um amplo campo para debates sobre qual o papel do Estado de do direito nas relações econômicas.

O espectro do debate proposto pelos que defendem a propalada "Análise econômica do direito" ultrapassa questão de saber se é ou não legítima a intervnção o Estado em tal ou qua setor da economia, mas busca dar elementos extraídos dos fundamentos da ciência econômica para a decisão jurídica.

E se é impossível esquecer a relevância dos agentes e fatores econômicos na elaboração da lei, é preciso registrar que não ocorre de modo diverso com a interpretação e aplicação da norma jurídica nos casos concretos examinados diariamente pelo Poder Judiciário.

Sobre o tema segue interessante entrevista com o Desembargador Rogério Gesta Leal do TJRS.


Repercussões econômicas de decisões judiciais preocupam magistrados.

A morosidade processual e decisões judiciais que revisam negócios praticados pelo mercado têm causado insegurança jurídica e prejudicado o desempenho econômico em diversos países. É o que demonstram estudos publicados nos últimos anos no Brasil e no exterior. Cientes dessa situação, os magistrados se deparam cotidianamente com o dilema de ter que dar respostas aos conflitos de natureza econômica levados à sua apreciação. Em circunstâncias como essas, um dilema comum surge diante dos juízes: na hora de decidir, o que deve ter peso maior, a lógica da eficiência econômica ou valores ligados a direitos fundamentais dos cidadãos? Essa e outras questões foram tema do curso "Impacto Econômico e Social das Decisões", oferecido no início desta semana em Brasília pela Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados (Enfam).


Durante dois dias, juízes de vários estados do país debateram aspectos relacionados ao tema, que cada vez mais está presente no dia a dia dos fóruns. O curso, que teve o objetivo de formar multiplicadores, foi ministrado pelo desembargador do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS) Rogério Gesta Leal. Doutor em Direitos Humanos e do Estado, Leal defende que os magistrados tenham formação multidisciplinar e sensibilidade para compor conflitos e equilibrar interesses quando apreciam questões jurídicas que influenciam a economia.

Em entrevista à Coordenadoria de Imprensa do STJ, o desembargador falou sobre alguns temas que envolvem direito, economia e atuação dos juízes.

P - Estudos mostram que, em diversos casos, as decisões judiciais impactam negativamente as relações econômicas no Brasil. Sob o ponto de vista do Judiciário, quais são as soluções possíveis para a melhoria desse quadro?

Rogério Gesta Leal - É preciso haver uma sensibilização da magistratura brasileira para a complexidade das relações sociais, marcadas hoje por variados fatores. Um tema que aparentemente é jurídico, no sentido de ser tratado e regulado por lei, tem implicações de natureza econômica, social e política. Essas dimensões extra-normativas precisam ser consideradas pelo julgador. Uma questão que envolve, por exemplo, uma decisão sobre licitação pública vai ter sérias repercussões na esfera econômica, impactando pessoas jurídicas e físicas envolvidas no processo licitatório. Nós temos hoje uma série de situações que exigem do magistrado uma sensibilidade e uma formação multidisciplinar para permitir que ele possa tratar de questões jurídicas com impactos econômicos.

P - Como é possível equilibrar a necessidade de decisões mais rápidas, com menos prejuízo para a economia, com o imperativo da fundamentação de decisões que consideram não somente a lógica de mercado, mas outros valores jurídicos?

RGL - Essa é uma equação bastante complexa. De um lado, tem-se a Constituição brasileira que abre seu texto com o Título I, que trata dos princípios que remetem para os direitos fundamentais, dentre eles os sociais. Não é por acidente que, topograficamente, a ordem econômica e social esteja nos artigos 170 e seguintes da Constituição. Está lá porque, antes dela, há um universo de valores objetivos e finalidades republicanas que a condicionam na medida de suas forças. Ou seja, a ordem constitucional estabelece como seu pressuposto e fundamento a dignidade da pessoa humana, o valor social do trabalho, os direitos humanos fundamentais. Portanto a leitura que se pode fazer disso é que, sempre que estiverem periclitando interesses objetivos e finalidades econômicas em detrimento de interesses objetivos e finalidades ligadas a direitos humanos fundamentais, estes é que deverão receber prioridades de tratamento. Por outro lado, sempre que possível, é necessário buscar a integração desses comandos normativos. Ao integrá-los, é importante criar condições para que os princípios da ordem econômica e dos direitos fundamentais convivam bem entre si.

P - O sr. disse que o "Fator Judiciário" tem impactos significativos no custo do negócios. O que vem a ser esse "Fator" e como se dá esse impacto?

RGL - Vamos analisar o caso das alienações fiduciárias (tipo de garantia na qual há a transferência da propriedade de um bem do devedor ao credor para garantir o pagamento da dívida). Quando o Poder Judiciário revisa contratos dessa modalidade, reconhecendo que nesses há cláusulas abusivas que devem ser extirpadas da relação negocial - como juros compensatórios, comissão de permanência etc -, esta decisão judicial torna instável a relação contratual inicialmente pactuada. Ao fazê-lo, quebra a expectativa dos contratantes originais. Mais do que isso: impacta a previsibilidade de ganhos ou de benefícios que foram causa do próprio negócio. Portanto, com suas decisões, o Judiciário sempre provoca quebra de expectativa de uns ou a satisfação da expectativa de outros. Na realização de sua atividade, o Judiciário tem que cuidar para que os danos e os ônus sejam os mínimos possíveis.

P - O sr. reconhece a existência de interesses que se sobrepõem à lógica de mercado, mas chama a atenção para o que denomina "voluntarismo judiciário". O que é o voluntarismo e como ele pode prejudicar as relações econômicas?

RGL - Quando o Poder Judiciário toma decisões sem levar em conta as múltiplas variáveis que compõem o caso, focando apenas um interesse unilateral envolvido, ainda que atue em nome da efetivação de um direito fundamental, pode violar drasticamente outro direito. Por exemplo, quando um magistrado determina que seja fornecido medicamento de R$ 50 mil para um único usuário, sem sequer investigar a possibilidade do uso de um genérico ou de outro tratamento alternativo com menor custo, pode inviabilizar vários outros pedidos e tratamentos que poderiam ser realizados com uma quantia semelhante. Assim, é importante que o magistrado leve em consideração que sua ação judicial tem consequências sociais. E que, quando está manejando direitos sociais pedidos por indivíduos, esses direitos têm a função de atender toda a comunidade, e não exclusivamente uma pessoa.

P - O sr. defende que o Judiciário é hoje um espaço de interlocução, uma arena de solução de conflitos. Como os juízes podem auxiliar nessa tarefa de compor conflitos na área econômica?

RGL - Eu vejo a lide (conflito de interesses sob apreciação do Judiciário) como um momento de
pacificação. Para isso, o magistrado deve dispor de ferramentas de composição e de mediação.Tem que ter sensibilidade para isso: conciliar e compor. Mais do que isso: tem que ter presente qual é o objeto do conflito, haja vista as suas conseqüências para fora do processo. Com essa percepção, ele pode fazer proposições compositórias que, se não vão atender de forma absoluta a todos, pelo menos amainarão o impacto da decisão para o entorno desse conflito.

P - Em que medida as pressões de outros países e organismos internacionais por uma uniformização do entendimento jurídico sobre questões relevantes para a economia podem influenciar as decisões dos magistrados brasileiros?

RGL - Há determinadas questões que estão no plano na transnacionalidade. Estão num patamar de decisão e deliberação que foge da capacidade de controle da esfera nacional. Veja por exemplo a questão que envolve os contratos de importação e exportação. O mercado internacional é incontrolável. Não raro ele apresenta surpresas negativas envolvendo essa questão. Uma decisão que versa sobre o aço na China pode causar impactos no fornecedor do produto no Brasil. E todas as declinações que decorrem do aço, e que foram objetos de contratos no plano nacional, estariam afetadas por essa sistemática internacional. Sob o ponto de vista econômico, vivemos numa aldeia global que está em regime de inter-relação e interferência recíproca. Temos que aprender a lidar com esse tipo de tensão como magistrados porque esta é lógica cuja existência não depende da nossa vontade. Temos que aprender a conviver com a perspectiva da mudança, da surpresa, e termos a sensibilidade de adequar os institutos jurídicos e a interpretação judicial para a solução do caso a essas circunstâncias.

P - Ao contrário de que muitos afirmam, o sr. não considera a Justiça cara, mas sim o custo do processo. O que o encarece?

RGL - Temos problemas intra-sistêmicos e extra-sistêmicos. Os primeiros são os que ainda estão sendo discutidos no país neste momento, que são as reformas processuais. É preciso que o sistema processual brasileiro melhore muito, se racionalize mais e encontre fórmulas mais enxutas, céleres e menos recorríveis. Nos segundos, temos o aspecto que envolve a "cultura da guerra". A formação do bacharel em Direito no Brasil sempre foi vocacionada para o conflito, para a beligerância. As faculdades de Direito ensinam guerrear, não a pacificar. Essa formação do bacharel se reproduz, se projeta no mercado. Para o cliente comum, o sinônimo do advogado exitoso é aquele que vence a causa. Essa cultura, associada a um sistema processual irracional, provoca um custo altíssimo do processo no Brasil.

P - O sr. acredita na existência de uma "indústria de liminares" no país? Caso afirmativo, como ela prejudica os negócios na economia?

RGL - Indústria de liminares é um jargão equivocadamente utilizado por alguns setores da imprensa e do setor produtivo no Brasil e no exterior. É uma percepção equivocada de um exercício normal da jurisdição, que tem sido responsável quando aprecia e delibera sobre matérias atinentes a medidas de urgência, como as tutelas antecipadas e as decisões liminares propriamente ditas. A verdade é que há decisões judiciais que causam maiores ou menores impactos na vida econômica e nas relações sociais.

P - O que o sr. acha das opiniões de alguns economistas brasileiros e estrangeiros, que veem com reserva a regulação jurídica dos negócios?

RGL - O debate que os economistas têm feito é que essa atividade de regulação jurídica requer cuidados sob pena de causar mais danos do que benefícios quando tenta artificializar, pela letra fria da lei, determinados comportamentos de mercado que não são factíveis em termos de relações econômicas mundiais. É preciso que a própria legislação observe essa dinâmica mutacional do mercado para que não exija dele o que ele não pode dar faticamente, que são a previsibilidade, a segurança e a certeza absoluta que, em tese, as normas jurídicas tendem a querer dar.

Fonte: STJ

Academia brasileira de direito, 30/3/2009 15:53:09

A que senhor serve a imprensa (ou pelo menos parte dela)?

"As bancas onde se vendem jornais e revistas são pequenas padarias intelectuais onde os cidadãos compram seu pão espiritual." J. Normand (1848-1920)

Estaria o romancista francês correto em se tratando de terrae brasilis?

Impressiona a reviravolta na investigação levada a efeito através da operação Satiagraha e o tratamento conferido pela impresa brasileira à cobertura dos fatos a ela relacionados.

Sobre o importante julgamento realizado hoje pelo TRF da 3ª Região, só o jornal Estado de São Paulo informou algo a respeito. Vejamos o que o jornalista Luciano Martins em "O observátório da impresa" escreveu sobre a "omissão" da grande parte da imprensa:


CASO DANIEL DANTAS
O silêncio dos jornais

Por Luciano Martins Costa em 24/3/2009
Comentário para o programa radiofônico do OI, 24/3/2009

A Folha de S.Paulo e o Globo ignoraram a notícia, mas o Estado de S.Paulo publica na edição de terça-feira (24/3), com destaque, que o Tribunal Regional Federal da 3ª Região impôs ontem uma importante derrota à estratégia de defesa do banqueiro Daniel Dantas.
O controlador do banco Opportunity queria trancar a ação penal nascida da acusação de corrupção ativa, por tentativa de subornar um delegado federal para ser excluído da chamada Operação Satiagraha.
A decisão é fundamental para o prosseguimento das ações judiciais contra Dantas. Por essa razão, os leitores da Folha e do Globo ficarão menos informados sobre o assunto do que os leitores do Estadão.
A defesa de Daniel Dantas queria que a Justiça Federal considerasse irregular a parceria feita entre a Polícia Federal e a Agência Brasileira de Inteligência – Abin – durante as investigações.
Se a Justiça acatasse essa tese, o processo poderia ser abortado, mas os magistrados votaram por unanimidade considerando que a ação conjunta entre a Abin e a Polícia Federal não tem nada de errado.

Georg Jellinek, a teoria do mínimo ético e o princípio da insignificância no direito penal.

Falar sobre a distinção entre a moral e o direito em muitas das discussões provocadas por casos polêmicos ou no estudo das correntes da filosofia do direito, envolve a análise da chamada "teoria do mínimo ético", elaborada pelo famoso jurista Georg Jellinek, segundo a qual o direito seria a parcela mínima indispensável da moral sem o que não seria possível nos reunir em sociedade.
Assim, o direito se legitimaria a partir desse destaque do conteúdo moral, dando-lhe os atributos de exterioridade, bilateralidade e coercitividade, de modo que todos possam viver com segurança jurídica.
Afinal, o senso de justiça humano reside principalmente no medo que cada um tem de que lhe seja feita uma injustiça (La Rochefoucauld), então, se o que atribuímos como justo ou injusto estiver em uma norma positiva fica mais fácil de saber o que é certo ou errado.
Pois bem, o difícil por sua vez é saber qual o limite da parcela moral que deve ser destacada para fins de receber a atribuição de ser "jurídico", e em que casos o que seja jurídico não pareça legítimo aos olhos da moral.
É nesta seara que se insere a análise do conteúdo dos princípios da fragmentariedade do direito penal, da intervenção mínima e da insignificância ou bagatela para fins penais, ora, se o que a sociedade valora como ilícito tipificando em uma norma penal determinada conduta (que ofende um bem jurídico relevante), houve, sem dúvida, o destaque dessa ação ou omissão do campo estrito da moral, quanto a isso não parece haver dúvida. Mas a questão que se põe é: pode o direito devolver à moral o que, embora tipificado na norma, não mereça sanção da sociedade?
Os pequenos delitos, o furto famélico e outras atividades delinquentes de menor repercussão social são o exemplo de que a pergunta acima deve ser respondida afirmativamente. Sim, é possível que o direito devolva à moral a disciplina de certos fatos que não mereçam efetiva tutela penal do Estado, o que se compatibiliza com o próprio senso de justiça social.
Embora a análise de casos concretos não seja realizada sob essa perspectiva (distinção entre norma moral e norma jurídica), os tribunais brasileiros têm aplicado o princípio da insignificância em escala maior do que outrora, seja por razões de política criminal ou em função do próprio garantismo que virou moda entre os juristas de vanguarda e defensores do Estado de Direito.
Sobre o tema, vejamos matéria recente extraída do site do STF (www.stf.jus.br):

Segunda-feira, 23 de Março de 2009

Supremo aplica princípio da insignificância a pedidos de habeas corpus

Responsáveis por dar a palavra final em casos de grande repercussão social, os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) são comumente chamados a analisar prisões resultantes de furto de objetos de pequeno valor, como cadeados, pacotes de cigarro e até mesmo catuaba, bebida conhecida como afrodisíaco natural. Nesses casos, eles aplicam o princípio da insignificância que, desde o ano passado, possibilitou o arquivamento de 14 ações penais, com a consequente soltura dos condenados.

Após passar por três instâncias do Judiciário, situações como essas chegam ao Supremo Tribunal Federal (STF) por meio de pedidos de Habeas Corpus. A maioria é impetrada pela Defensoria Pública da União contra decisões do Superior Tribunal de Justiça (STJ) pela manutenção das prisões e das denúncias feitas contra os acusados.

Em pelo menos cinco processos, o STJ reverte entendimento de segunda instância pela liberdade dos acusados, restabelecendo a condenação. Em outras palavras, os presos têm que passar por quatro instâncias do Judiciário para obterem uma decisão final favorável.

Quando chegam ao Supremo, em geral os ministros-relatores concedem liminar para suspender a prisão. Responsáveis por julgar os habeas corpus em definitivo, em quase 100% dos casos a Primeira e a Segunda Turmas da Corte concedem o pedido para anular a prisão e a denúncia.

Os ministros aplicam a esses casos o chamado “princípio da insignificância”, preceito que reúne quatro condições essenciais: mínima ofensividade da conduta, inexistência de periculosidade social do ato, reduzido grau de reprovabilidade do comportamento e inexpressividade da lesão provocada.

As decisões também levam em conta a intervenção mínima do Estado em matéria penal. Segundo esse entendimento, o Estado deve ocupar-se de lesões significativas, ou seja, crimes que têm potencial de efetivamente causar lesão.

Números

Desde o ano passado, chegaram ao Supremo 18 pedidos de habeas corpus pela aplicação do princípio da insignificância. Desses, 15 foram analisados, sendo que 14 foram concedidos em definitivo e um foi negado por uma questão técnica, mas teve a liminar concedida. Três habeas ainda não foram julgados.

Dos 15 pedidos analisados, 10 foram impetrados pela Defensoria Pública da União contra decisões do STJ. Os demais são contra decisões do Superior Tribunal Militar (STM) condenando soldados pela posse de quantidade ínfima de entorpecentes em quartéis. Essa matéria não é pacífica na Corte e há ministros que decidem a favor e contra os condenados.

Dos 15 habeas corpus já julgados, 11 são provenientes do Rio Grande do Sul, dois são do Mato Grosso do Sul, um é do Paraná e um é de São Paulo. O que geralmente ocorre é a condenação em primeira instância, revertida nos Tribunais de Justiça e reaplicada pelo STJ.

Catuaba e cadeados

Entre os pedidos feitos contra decisão do STJ, há o caso de um jovem condenado pela Justiça do Mato Grosso do Sul a sete anos e quatro meses de reclusão pelo furto de mercadorias avaliadas em R$ 38,00. À época dos fatos, o rapaz tinha entre 18 e 21 anos, circunstância que diminui a pena. Ele foi acusado de furtar um pacote de arroz, um litro de catuaba, 1 litro de conhaque e dois pacotes de cigarro.

Apesar de recorrer a três instâncias, somente no Supremo o jovem conseguiu a liberdade e o arquivamento da denúncia. A decisão foi da Segunda Turma do STF. Na ocasião, o ministro Eros Grau, relator do pedido de habeas corpus, disse que “a tentativa de furto de bens avaliados em míseros R$ 38,00 não pode e não deve ter a tutela do Direito Penal”.

Outra denúncia de furto de mercadorias no valor de R$ 80,00 em Osório, no Rio Grande do Sul, e que resultou em prisão de dois anos de reclusão, também foi analisada pela Segunda Turma. O relator do caso foi o ministro Celso de Mello, segundo o qual o princípio da insignificância deveria ser aplicado ao caso, mesmo não tendo sido discutido quando o pedido de habeas corpus foi analisado pelo STJ.

“Os fundamentos em que se apoiam a presente impetração [o pedido de habeas corpus] põem em evidência questão impregnada do maior relevo jurídico”, disse ele ao conceder o pedido. Em sua decisão, Mello informa que o furto de um liquidificador, um cobertor e um forno elétrico equivalia, à época do fato, a 30,76% do salário-mínimo vigente e, atualmente, a 19,27% do atual salário-mínimo.

O princípio da insignificância foi aplicado ainda em uma acusação de tentativa de furto de sete cadeados e de um condicionador de cabelo avaliados em R$ 86,50. O caso também ocorreu no Rio Grande do Sul, onde a Justiça condenou o acusado a dois anos de reclusão e ao pagamento de multa.

Débito fiscal
Outra hipótese de aplicação do princípio da insignificância pelo Supremo ocorre em denúncias contra devedores de débitos fiscais de baixo valor. Nesses casos, os ministros aplicam o artigo 20 da Lei 10.522, de 2002, que determina o arquivamento de processos que tratem de execuções fiscais de débitos inscritos na dívida ativa da União no valor igual ou inferior a R$ 10 mil.

17 de março de 2009

Não há nada que um bom cordel não possa contar com humor.

Recebi hoje e-mail do aluno Gerson Câmara com uma poesia em cordel muito bem escrita, a criatividade e o modo crítico como o espirituoso autor coloca a questão debatida há semanas na imprensa local e nacional dá bem a dimensão de como as relações entre direito e religião no Brasil ainda são íntimas. Vejamos:

A EXCOMUNHÃO DA VÍTIMA
Miguezim de Princesa

Peço à musa do improviso
Que me dê inspiração,
Ciência e sabedoria,
Inteligência e razão,
Peço que Deus que me proteja
Para falar de uma igreja
Que comete aberração.

Pelas fogueiras que arderam
No tempo da Inquisição,
Pelas mulheres queimadas
Sem apelo ou compaixão,
Pensava que o Vaticano
Tinha mudado de plano,
Abolido a excomunhão.

Mas o bispo Dom José,
Um homem conservador,
Tratou com impiedade
A vítima de um estuprador,
Massacrada e abusada,
Sofrida e violentada,
Sem futuro e sem amor.

Depois que houve o estupro,
A menina engravidou.
Ela só tem nove anos,
A Justiça autorizou
Que a criança abortasse
Antes que a vida brotasse
Um fruto do desamor.

O aborto, já previsto
Na nossa legislação,
Teve o apoio declarado
Do ministro Temporão,
Que é médico bom e zeloso,
E mostrou ser corajoso
Ao enfrentar a questão.

Além de excomungar
O ministro Temporão,
Dom José excomungou
Da menina, sem razão,
A mãe, a vó e a tia
E se brincar puniria
Até a quarta geração.

É esquisito que a igreja,
Que tanto prega o perdão,
Resolva excomungar médicos
Que cumpriram sua missão
E num beco sem saída
Livraram uma pobre vida
Do fel da desilusão.
Mas o mundo está virado
E cheio de desatinos:
Missa virou presepada,
Tem dança até do pepino,
Padre que usa bermuda,
Deixando mulher buchuda
E bolindo com os meninos.

Milhões morrendo de Aids:
É grande a devastação,
Mas a igreja acha bom
Furunfar sem proteção
E o padre prega na missa
Que camisinha na lingüiça
É uma coisa do Cão.

E esta quem me contou
Foi Lima do Camarão:
Dom José excomungou
A equipe de plantão,
A família da menina
E o ministro Temporão,
Mas para o estuprador,
Que por certo perdoou,
O arcebispo reservou
A vaga de sacristão.

16 de março de 2009

A consolidação de um entendimento justo.

Após anos, a discussão sobre o direito ao provimento da vaga aberta em concurso público por aqueles que foram aprovados dentro do quantitativo estabelecido no edital parece ter chegado ao fim.

O STJ novamente decidiu que o candidato aprovado entre as vagas oferecidas no certame tem direito a ser nomeado e empossado no cargo público de que tratar o concurso.

Parece que o tacanho argumento de que a discricionariedade administrativa e a burocracia necessária ao preenchimento das vagas reconhecidamente disponíveis na Administração perdeu lugar para a aplicação pura e simples do princípio da boa-fé nas relações entre o Estado e o cidadão e para a tão badalada teoria do nemo potest venire contra factum proprium, ou seja, não pode a entidade administrativa adotar comportamento contraditório em prejuízo do candidato que gastou tempo, recursos e empenho para lograr aprovação em concurso público.
Se a impessoalidade e eficiência no serviço público são alcançadas com o provimento honesto e isonômico dos cargos públicos cujas vagas devem ser preenchidas por concurso, nada mais justo que a autoridade administrativa esteja vinculada à situação de fato que ensejou a abertura do próprio concurso, não sendo legítima a recusa de candidato que demonstra as condições de ingresso quando a própria lei do certame, o edital, prevê a existência de vaga.

Segue relato do caso extraído do site do STJ:
16/03/2009 - 08h03
DECISÃO

Aprovação em concurso dentro do número de vagas dá direito à nomeação
"A Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) confirmou: o candidato aprovado em concurso público dentro do número de vagas tem o direito subjetivo de ser nomeado. O entendimento garante a uma fonoaudióloga aprovada em primeiro lugar ser nomeada para a Universidade Federal da Paraíba.

O concurso em questão foi realizado pelo Ministério da Educação e oferecia 109 vagas, uma para fonoaudióloga. Alguns cargos com “código de vaga” e outros sem esse código. Como a candidata aprovada e classificada em primeiro lugar não foi nomeada, ele entrou com mandado de segurança contra ato do ministro da Educação, do reitor da UFPB e do superintendente de recursos humanos daquela universidade tentando conseguir sua nomeação.

Essas autoridades argumentaram que a existência de código de vaga disponível para o cargo é condição indispensável para a nomeação desejada, não havendo direito liquido e certo a ser resguardado por meio de um mandado de segurança.

O ministro Nilson Naves, relator do caso, deferiu o pedido da candidata, assegurando o direito à nomeação e à posse do candidato aprovado em concurso dentro do número de vagas previstas no edital, dentro do prazo de validade do concurso, entendimento já cristalizado em julgamentos tanto da Sexta quanto da Quinta Turma, colegiados que integram a Terceira Seção do STJ.

Ao acompanhar o relator, o ministro Arnaldo Esteves Lima destacou que, nesse caso específico, o edital previu a existência de uma vaga para fonoaudiólogo, ainda que, em alguns cargos, houvesse vagas “com código autorizado” e outras “sem código autorizado”.

No seu entendimento, a vaga “sem código autorizado” não se equipara a cadastro de reserva, são situações distintas. No primeiro caso, a Administração faz constar edital que o aprovado integrará cadastro de reserva. No outro, é anunciada a existência de uma vaga com a seguinte ressalva: "sem código autorizado". “Isso porque, nesta última, o candidato inscreve-se no concurso público, pagando a taxa correspondente, na expectativa de que a vaga existe, porquanto consta do próprio edital, porém, por uma mera questão burocrática, ainda não foi autorizada ou disponibilizada pela autoridade hierárquica competente para tanto”.

Além disso, não teria sido dado, a seu ver, tratamento isonômico, aos cargos. Pois para enfermagem, exemplifica, também constavam cargos sem código autorizado, mas houve liberação. “No entanto, sem motivação alguma, para o segundo, para o qual a impetrante logrou aprovação, não foi autorizado o código”.

O entendimento do ministro Arnaldo Esteves Lima é que, se a Administração previu a existência de vagas "sem código autorizado" e solucionou a questão em relação a determinadas especialidades, deveria dar o mesmo tratamento à impetrante, diante do que constou do edital”.

A decisão da Terceira Seção foi majoritária. Os ministros Felix Fischer e Laurita Vaz negavam a segurança, entendendo que não havia no edital vaga criada para o cargo pleiteado pela candidata."

11 de março de 2009

Advogados pernambucanos, uni-vos!

No próximo dia 26, acontece em Recife/PE ato público em repúdio à sequência de assassinatos de advogados registrados no Estado. Só este ano, já foram mortos quatro profissionais da advocacia no interior pernambucano. O ato público será realizado às 15h no plenário da Assembléia Legislativa de Pernambuco, durante sessão especial. O presidente nacional da OAB, Cezar Britto, participará do ato.
Participe! A defesa das prerrogativas e da independência dos advogados é a defesa dos interesses de toda a sociedade em um Estado de Direito.

Investigação criminal, o Ministério Público e o STF.

Enfim um bom precedente para assegurar a atividade investigatória do Ministério Público, assunto discutido outro dia aqui no blog, vamos aguardar o entendimento do pleno, mas já se desenha na Corte uma posição em prol da efetividade da tutela penal do Estado com a observância aos direitos fundamentais do investigado e de toda a sociedade, que só assiste os índices de criminalidade subirem.

Quem viver verá!

Ministério Público tem poder de investigação, reconhece Segunda Turma do STF

A Segunda Turma do STF, em julgamento ontem, 10/3, reconheceu por unanimidade que existe a previsão constitucional de que o MP tem poder investigatório. A Turma analisava o HC 91661, referente a uma ação penal instaurada a pedido do MP, na qual os réus são policiais acusados de imputar a outra pessoa uma contravenção ou crime mesmo sabendo que a acusação era falsa.
Segundo a relatora do HC, ministra Ellen Gracie, é perfeitamente possível que o órgão do MP promova a coleta de determinados elementos de prova que demonstrem a existência da autoria e materialidade de determinado delito. "Essa conclusão não significa retirar da polícia judiciária as atribuições previstas constitucionalmente", poderou Ellen Gracie.
Ela destacou que a questão de fundo do HC dizia respeito à possibilidade de o MP promover procedimento administrativo de cunho investigatório e depois ser a parte que propõe a ação penal. "Não há óbice [empecilho] a que o Ministério Público requisite esclarecimentos ou diligencie diretamente à obtenção da prova de modo a formar seu convencimento a respeito de determinado fato, aperfeiçoando a persecução penal", explicou a ministra.
A relatora reconheceu a possibilidade de haver legitimidade na promoção de atos de investigação por parte do MP. "No presente caso, os delitos descritos na denúncia teriam sido praticados por policiais, o que também justifica a colheita dos depoimentos das vítimas pelo MP", acrescentou.
Na mesma linha, Ellen Gracie afastou a alegação dos advogados que impetraram o HC de que o membro do MP que tenha tomado conhecimento de fatos em tese delituosos, ainda que por meio de oitiva de testemunhas, não poderia ser o mesmo a oferecer a denúncia em relação a esses fatos. "Não há óbice legal", concluiu.
O HC foi denegado por essas razões e porque outra alegação – a de que os réus apenas cumpriam ordem do superior hierárquico – ultrapassaria os estreitos limites do habeas corpus. Isso porque envolve necessariamente o reexame do conjunto fático probatório e o tribunal tem orientação pacífica no sentido da incompatibilidade do HC quando houver necessidade de apurar reexame de fatos e provas.

Processo Relacionado : HC 91661

Não choremos de véspera e não comemoremos antes do fim.

"Há pessoas que estão sempre prevendo dores e pesares; e, deste modo, sofrem mágoas que nunca se realizam."

Josh Billings (1818-1885)

5 de março de 2009

E a questão do aborto?

Em tempos de discussão sobre o aborto da garota de 09 anos grávida após sucessivas e violações por seu padastro, a decisão dos médicos em realizar o aborto e a excomunhão declarada pelo arcebispo de Olinda e Recife aos que participaram da interrupção da gestação, a polêmica discussão jusfilosófica entre direito natural e direito positivo, dita por muitas como superada, parece ganhar espaço na cobertura midiática do caso.

Sobre o tema do aborto, segue um artigo de Cáudio Fonteles, católico fervoroso, e ex-Procurador Geral da República, vejamos:

O Estado cínico

Cláudio Fonteles

A discussão sobre o aborto assume grande relevo porque necessariamente diz com o tipo de sociedade em que almejamos viver: a sociedade amorosa, fraterna, solidária ou a sociedade do egoísmo, do abandono, da violência. E, porque a discussão é assim posta, assim devendo ser, efetivamente, o Estado, como a sociedade politicamente organizada, tem que enfrentar a questão e não, cinicamente, reduzi-la à esfera de opção individual.

A mulher e o embrião, ou o feto, se já alcançado estágio posterior na gestação, que está em seu ventre, são as grandes vítimas do cinismo estatal.

A mulher porque ou por todos abandonada – seu homem, sua família, seus amigos – ou porque, e o que é pior por assim caracterizar um estado de coisas, teme venha a ser abandonada pelo homem, pela família, pelos amigos.

A mulher porque incentivada, e estimulada, pela propaganda oficial e privada a desfazer-se da vida, presente em seu ser, como se a vida fosse um estorvo, um empecilho, um obstáculo que deve ser eliminado em nome, hipocritamente do direito à liberdade de escolha.

Não há liberdade de escolha quando a escolha é matar o indefeso.

O embrião, ou o feto, porque vida em gestação, mas, repito, vida-presente não se lhes permite a interação amorosa, já plenamente, ainda que no espaço intra-uterino, com sua mãe, e com os demais, caso esses não adotem a covarde conduta do abandono da mulher.

O Estado brasileiro consolidou em seu ordenamento jurídico "mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher", editando a lei nº. 11.340/06, conhecida como a lei "Maria da Penha".

Vamos ler alguns artigos dessa importante lei:

- "Poderá o Juiz, quando necessário, sem prejuízo de outras medidas: encaminhar a ofendida e seus dependentes a programa oficial ou comunitário de proteção ou de atendimento (art. 23, I);

- Caberá ao Ministério Público, sem prejuízo de outras atribuições, nos casos de violência doméstica e familiar contra a mulher, quando necessário: fiscalizar os estabelecimentos públicos e particulares de atendimento à mulher em situação de violência doméstica e familiar, e adotar, de imediato, as medidas administrativas ou judiciais cabíveis no tocante a quaisquer irregularidades constatadas (art. 26, II);

- A União, o Distrito Federal, os Estados e os Municípios poderão criar e promover, no limite das respectivas competências: centros de atendimento integral e multidisciplinar para mulheres e respectivos dependentes em situação de violência doméstica e familiar; casas-abrigos para mulheres e respectivos dependentes menores em situação de violência doméstica e familiar; programas e campanhas de enfrentamento da violência doméstica e familiar (art. 35, I, II e IV)"

Ora, se assim o é, justamente para que a integridade física da mulher seja protegida, por que, cinicamente, o Estado brasileiro detém-se aqui e, em relação à mulher, que está grávida, que acolhe em si a vida, estimula-a a matar, também a abandonando?

Por que o Estado brasileiro, repito cínico, pela omissão e pela frouxa, errônea e irresponsável justificativa de inserir-se o tema na órbita privada, não tira, como tirou o tema da violência doméstica, portanto também privada, dessa estrita órbita e à mulher gestante não lhe oferece todos os mecanismos oferecidos à mulher fisicamente agredida, para que, assim claramente amparada a mulher, em ambas as situações tenha o direito de viver e fazer viver a vida que consigo traz?

Aguarda-se o governante municipal, estadual e federal que tenha coragem de defender a vida-mulher e a vida-embrião, ou a vida-feto, que a Primeira acolhe em seu ventre.

E você o que pensa sobre o assunto?

3 de março de 2009

Aprovados sem prova? Até quando vão querer assassinar o exame de ordem!

Juíza determina que OAB se abstenha de exigir aprovação para concessão de registro profissional, em decisão proferida nos autos do MS impetrado contra o Exame de Ordem (2007.51.01.027448-4) - Seção Judiciária do Rio de Janeiro.


A juíza da 23ª vara Federal do RJ, Maria Amélia Almeida Senos de Carvalho concedeu a segurança "em virtude da inconstitucionalidade da exigência de aprovação em exame de ordem", determinando que OAB "se abstenha de exigir dos autores a referida aprovação para fins de concessão de registro profissional aos impetrantes".


A teratológica decisão prolatada equivoca-se ao "interpretar" o inciso XIII do art. 5º da Constituição Federal, que dispõe o seguinte: "XIII - é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer;"

E justamente para atender o interesse público e garantir à sociedade que os serviços prestados pelo bacharel em direito compreendem a "qualificação profissional" mencionada na Carta Magna, é que a Lei nº. 8.906, de 04.07.1994, impôs como condição para a inscrição como advogado a aprovação no exame de ordem, regulamentado por provimento do Conselho Federal.
Argumentos consistentes em defesa do exame de ordem não faltam, já os que entendem pela sua inexigibilidade para a obtenção da inscrição nos quadros da OAB sustentam sua posição na alegação de que a advocacia é a única das profissões em que se exige a aprovação em um exame para o exercício profissional, e o mais curioso/cômico, o argumento é levantado com frequencia justamente por aqueles que não obtém aprovação no exame.
Sobre o tema eu recomendo a leitura do interessante artigo de Leon Frejda Szklarowsky, advogado e autor de diversos trabalhos jurídicos, disponível em: http://www.migalhas.com.br/mostra_noticia_articuladas.aspx?cod=52509 , que traz dados interessantes, inclusive de ordenamentos jurídicos de outros países, ajudando a compreender, de fato, a quem interessa a extinção do exame de ordem.