30 de maio de 2009

"Nada é permanente, exceto a mudança."

Como alguns devem ter notado, a frase-título do post incorpora um tema que me é muito simpático: o tempo.

A própria denominação do blog tem inspiração em uma música que trata sobre tempo: Pra não dizer que não falei das flores, de Geraldo Vandré. "...vem vamos embora, que esperar não é saber, quem sabe faz a hora, não espera acontecer.", cujas razões para adoção eu expliquei no post inaugural.
Essa frase (título do post) foi utilizada para denominar minha turma de formatura na UNICAP nos idos de 2003, ano de importantes mudanças no cenário político nacional, marcando a transição da era FHC para o governo Lula, e de tantas consequências decorrentes dessa mudança.

Mas não é de política que eu pretendo falar, não nesse post, e sim de como as nossas decisões cotidianas são tomadas tendo como referência primordial, senão determinante, do tempo.

Frases como: "calma, você ainda é jovem, tem muito tempo pela frente", " o tempo é o senhor da razão", "só o tempo cura", "não deixe para amanhã o que pode ser feito hoje", etc... são exemplos de como nossas atitudes são indissociáveis do tempo ou mesmo de raciocínios temporalizados em conexão com fatos corriqueiros do dia-a-dia, por exemplo, quem nunca pensou algo como "puxa, se eu tivesse saído um pouco mais cedo de casa teria evitado aquela batida."; "se fulado de tal tivesse atrasado cinco minutos para ouvir o que eu tinha a dizer não teria acontecido isso." ou ainda tragicamente "se não tivesse embarcado naquele horário no vôo estaria vivo".

Acho sinceramente que "desde os primórdios até hoje em dia" (como cantam os titãs) o tempo ocupa boa parte das nossas reflexões, sejam elas diárias, semanais, mensais ou anuais, afinal, quem pode viver sem preocupar-se com planos pessoais, familiares, de crença ou fé, de trabalho, estudo, perspectivas?

Bem, e não é por dar-mos tamanha importância ao tempo que construímos nossa história, pensamos na nossa saúde, educação, pais, filhos, meio ambiente, patrimônio, previdência, dentre outros, olhando-nos nós mesmos enquanto pessoas integradas à sociedade e a um projeto de nação ou de nações que construímos o que cada um é?

Desse ponto de vista, que me parece bem realista e comprometido com o futuro, como dissociar o Direito da História?

Em que pesem as substanciosas contribuições daqueles que acreditam no "hoje" como momento para ser vivido e disciplinado, além da prazerosa sensação de bem estar da filosofia do "carpe diem", não vejo como não enxergar a nossa vida e o próprio Direito como um encadeamento lógico-histórico em que fatos de significante relevância social tornam-se normas jurídicas. Nesse ponto específico, estou com Miguel Reale e não abro: "Direito é fato, valor e norma."

Não que esse encadeamento seja uma sucessão de dias e noites em que as discussões sobre o surgimento de direitos siga um rito procedimental que espelhe necessariamente o momento histórico vivido na sociedade (até pouco tempo era nulo o casamento se o nubente descobrisse, após a realização do matrimônio, que a noiva já havia sido "desposada" - não era mais virgem), um claro exemplo de descompasso entre o momento vivido em sociedade e a norma jurídica.

Mas como afirmado acima, não se tem como negar que a conquista de vários direitos só foi possível graças à prévia conquita de outros em tempo histórico anterior, e.g. o direito da mulher ao voto só foi possível em dado momento histórico em que se reconhecia a mulher como cidadã, como consequência posterior tivemos a revogação do estatuto da mulher casada, o recohecimento da isonomia entre os gêneros, de patamar constitucional, etc... Há como afirmar, então, um descolamento entre o momento histórico e o regramento jurídico de determinado tema social relevante?

Outros exemplos podem ser verificados na história do nosso ordenamento jurídico, como a estupenda evolução do tratamento dos direitos dos negros (da escravidão - libertação - direito à participação política - inserção social através de políticas de ação afirmativa) ou dos trabalhadores que num primeiro momento adquiriram liberdade de manifestação e associação (direitos de primeira geração, segundo a classificação dos manuais de direito constitucional) para depois marcarem posição social mais ativa como o direito de greve e a aquisição de vários direitos trabalhistas como o 13º salário, aviso prévio, férias, licença gestante, entre muitos outros.

Indissociável, pois, a ligação histórica entre a aquisição, modificação e extinção de direitos, tal entendimento é, por si, o reconhecimento de que o ordenamento jurídico é um sistema dinâmico, sujeito à mudanças para adequá-lo ao que nós, como sociedade, queremos para nós mesmos, e, com certo grau de certeza, pode-se afirmar que não queremos as mesmas coisas o tempo inteiro, mas que o objeto do nosso querer de ontem tem forte carga de influência sobre o que queremos hoje.

Aproveitando o tema do post, deixo um pequeno verso de Camões sobre o tempo:

"Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades,
Muda-se o ser, muda-se a confiança;
Todo o mundo é composto de mudança,
Tomando sempre novas qualidades.

Continuamente vemos novidades,
Diferentes em tudo da esperança;
Do mal ficam as mágoas na lembrança,
E do bem, se algum houve, as saudades.

O tempo cobre o chão de verde manto,
Que já foi coberto de neve fria,
E em mim converte em choro o doce canto.

E, afora este mudar-se cada dia,
Outra mudança faz de mor espanto:
Que não se muda já como soía."

Camões


Seguindo a proposta do "um pouco mais do mesmo", seguem algumas frases colhidas que achei interessantes sobre o tempo:

"O tempo é a imagem móvel da eternidade imóvel." (Platão)

"O tempo que você gosta de perder não é tempo perdido." (Bertrand Russell)

"Nunca penso no futuro, ele chega rápido demais." (Albert Einstein)

"Os dias talvez sejam iguais para um relógio, mas não para um homem." (Marcel Proust)

"O tempo é o mais sábio dos conselheiros." (Plutarco)

"As quatro coisas que não voltam para trás: A pedra atirada, a palavra dita, a ocasião perdida e o tempo passado." (Autor desconhecido)

"O melhor profeta do futuro é o passado." (Lord Byron)

"Pode-se enganan a todos por algum tempo; Pode-se enganar alguns por todo o tempo; Mas não se pode enganar a todos todo o tempo..." (Autor desconhecido)

"O tempo foi algo que inventaram para que as coisas não acontecessem todas de uma vez." (Autor desconhecido)
"A história é a ciência dos homens, dos homens no seu tempo." (Bloch)

"Quem mata o tempo não é assassino, mas sim um suicida." (Millôr Fernandes)

"Quando o futuro vira passado, é fácil ver o que tinha que ser feito." (Autor desconhecido)

6 comentários:

Anônimo disse...

Muito bom teu texto, Douglas! E eu, como sempre, bisbilhotando e parabenizando teu blog. E, ainda digo mais, ressaltando o soneto de Camões: é mesmo impressionante como um poema consegue se manter belo e interessante mais de 400 anos depois de escrito. Acho que somente os grandes poetas, melhor dizendo "os gigantes", conseguem esse prodígio.

Patrícia

Fabia Castro Alves disse...

Gosto do tema...

Lembrei de umas máximas sobre o tempo que carrego pra vida toda...

- O tempo é a principal variável. E vamos indo, de um fragmento a outro.
- Cada um tem, minuto a minuto, a opção de como quer levar a vida.
- Não tenho missão. Tenho uma vida.
- O tempo só passa depois de vivê-lo.
- Nada nunca será o que poderia ter sido.
- As materializações agora porque o mundo constituiu-se, acontece e projeta-se sobre elas, apenas.
- Não sei se é a parte que é pelo todo ou se o todo é pela parte. Não sei se é o agora ou o depois. Não sei se é o que penso ou o que sinto. E vamos indo, mediando os paradoxos.

Anônimo disse...

Caro Dr. Douglas,
Muito pertinentes as suas observações sobre o tempo e a influência que ele exerce sobre a História, sobre o Direito.
Aproveito o ensejo para, corroborando com tais palavras, tão sensíveis, quanto sábias, tecer algumas reflexões afeitas ao tema.
Tão difícil conceber como tantas transformações são ocasionadas por este algo incorpóreo, ora cruel, ora benevolente.
A quase implacável crueldade do tempo se debruça sobre o meu ombro esquerdo, a qual costumo espantar,utilizando-me do artifício de transformar os dizeres de Cécília Meireles em máximas:"A noção ou sentimento da transitoriedade de tudo é o fundamento da minha personalidade" . Noutras palavras: saber que aquilo que nos aflige vai passar, acaba nos confortando.
Ainda neste toar, quando do pouso do benevolente tempo sobre o ombro que me restara, acabo me convencendo da fugacidade daquela alegria, jamais a gozando em toda a sua plenitude.
A leitura de suas meditações sobre o tempo, Douglas, remeteu-me a uma antiga parábola, cujo conteúdo denotava a idéia acima versada. Conta mais ou menos assim: Havia um Rei muito poderoso, que prometera enorme fortuna àquele súdito que conseguisse, com uma frase apenas, fazê-lo triste, quando ele estivesse alegre e fazê-lo alegre, ele quando estivesse triste. Conta a parábola que ganhara o prêmio o súdito que trouxera ao Rei os seguintes dizeres: "VAI PASSAR".
Por fim, mas não finalmente, comovida diante dessa complexidade da conjugação tempo-realidade, deixo-me cingir pela certeza de que o que se desatou num só momento não cabe no infinito, e é fuga e vento.

Raíssa Duarte

Anônimo disse...

Douglas,
falar do tempo é refletir sobre nós. O que fizemos? Qual o nosso legado? Há tempo para mudanças?
Inúmeras questões insurgem e quase sempre a resposta nos aparenta nebulosa. Enquanto isso as horas se passam, círculos terminam e recomeçam. O que fazer?
Acho interessantes as palavras de uma escritora, que não me recordo o nome, mas cujo pensamento procuro me inspirar para seguir na trajetória da vida.

"Sou uma peregrina que tenta desvendar o invisível para entender o visível. Somente entendendo o infinitamente pequeno podemos compreender o demasiado grande. Mas infelizmente muitos só enxergam com os olhos."

Patricia Lira disse...

Oi Douglas! Aqui é outra Patricia (aquela que vive depois do horizonte do Atlântico rsrsrsr)Eu apareci por aqui e vi esse texto sobre o tempo. Quis indicar a vc o filme "a curiosa historia de Benjamim Boutton" Esse filme traz uma leitura muito profunda e provocativa acerca do tempo! Um beijão.

Douglas Zaidan disse...

Querida Patrícia,

Eu vi esse filme, realmente é muito bom, ótimo roteiro e instigante reflexão sobre a forma de enxergarmos a passagem do tempo.
Como sempre, você apresentou mais uma ótima sugestão.

Beijo.