19 de novembro de 2012

Além de salsa, piña colada e charutos (1)



Viajar para Cuba e conhecer um pouco mais daquele país durante as férias pode significar mais do que descanso e lazer. Belezas naturais, a rica cultura e a história do povo cubano, além das idiossincrasias da única nação das américas, e uma das últimas do mundo, a afirmar-se como socialista e manter um regime centralizado de controle econômico na figura do Estado é uma experiência um tanto curiosa.

É claro que uma visita de turista por 7 dias, sendo 4 deles em Varadero, além do contato limitado pelo pouco tempo com moradores, quase todos ligados ao turismo, somado ao fato de não ter ido a supermercados, escolas, universidades e hospitais (estes têm acesso restrito e precisam de autorização oficial) é capaz de fornecer apenas uma visão parcial e bem limitada da condição de vida das pessoas e do regime político-econômico da ilha, se é que isso seja possível como estrangeiro de passagem. Afinal, estávamos de férias e não fazendo pesquisa sociológica de campo, porém, alguns fatos merecem registro.

Após quase quinze horas entre Brasília e nosso primeiro destino (Varadero) chegamos exaustos. Desembarcamos em Havana, com tempo nublado, pista molhada e a primeira impressão foi a de que o aeroporto não tinha a "cara" da cidade, como raríssimos devem ter. Controle de imigração tranquilo, pouca gente, sem filas e uma simpática atendente. 

Trocamos alguns euros por pesos cubanos conversíveis - CUC (há ainda pesos cubanos comuns que valem cerca de vinte e cinco vezes menos). O CUC vale quase um dólar (0,97), mas se você troca dólares paga um deságil de 10%, o que não ocorre com outras moedas como o euro. Esqueça cartões de crédito, ele só é aceito em alguns grandes hotéis. Depois disso, pegamos um sanduíche de presunto e queijo, por sinal bem gostoso, e seguimos para o ônibus que nos levou a Varadero.

Um guia falou sobre várias coisas interessantes da ilha no caminho, clima, moeda, produtos que fizeram fama local, como o rum, café e os charutos, mas até então nada sobre política. Notei que um casal que estava sentado atrás no ônibus perguntou sobre o governo e a situação econômica, migração, etc. relacionando tudo ao bloqueio econômico norte-americano. O guia desconversou, disse que não se interessava muito sobre esses assuntos, mas disse que a grande maioria da população aprovava o governo e que os protestos eram isolados...sem muita convicção, entretanto.

Paramos em uma lanchonete à beira da estrada no meio do caminho entre Havana e Varadero, que tem uns 150km e uma estrada bem conservada. Tomei uma piña colada (mistura de abacaxi, rum e côco) que estava excelente, e depois um café pra despertar. A lanchonete também vendia souvenirs, então comprei chaveiros e um livrinho sobre a Constituição cubana de 1976 por uns 5 pesos que nas palavras de Raúl Castro no texto: é o documento mais importante da institucionalização da Revolução. Li pouco em razão do cansaço.

No caminho, chamou a minha atenção o fato de vários muros das casas, todas muito simples, ressaltarem a pátria. Parece existir um patriotismo forte em torno dos ideais da Revolução e escritos como "linda terra, sempre te defenderemos" são bem simbólicos do amor que os cubanos parecem nutrir pela ilha. Passamos por algumas pequenas vilas, fazendas (muitas com plantação de cana-de-açúcar) e pela cidade de Matanzas, capital da província de mesmo nome, que é uma apologia às mortes no local desde a chegada dos espanhóis. Importante área industrial da ilha, com prédios maiores e um comércio local.

Chegamos ao hotel, almoçamos, conhecemos as instalações, totalmente incompatíveis com o contexto do restante da ilha, que até entao só vi pelo caminho como uma série de casas pequenas e muito humildes, alguns prédios muito velhos e sem conservação e algumas praças e colégios públicos relativamente bem mantidos e limpos.

Depois de um banho liguei a tv e sintonizei um dos canais estatais (há 2 no país), estava passando um programa educativo de debate, acho que sobre literatura e ensino infantil. Em seguida, alguns comerciais que estimulavam a solidariedade entre os cubanos, especialmente em relação às mulheres e idosos, vi dois desses. Depois começou o jornal, com notícias sobre os destrutivos efeitos do furacão Sandy na costa atlântica da ilha. Após, uma homenagem ao aniversário da Revolução russa de 1917, por conta do 07 de novembro, exaltada como o grande marco histórico do potencial das liberdades contra a opressão...Achei forçação ideologizante, a forma de abordagem era de uma ingenuidade tão grande que só poderia ter sido feita com o desprezo de muitos registros históricos importantes. Na matéria,  entrevistaram o representante da embaixada da Bielorrússia em Cuba, com ares saudosistas do regime soviético.

Depois falaram sobre o conflito na Síria como tentativa de controle imperialista do Oriente Médio pelo Ocidente, criticando duramente a posição da Inglaterra. Falaram também sobre as eleições norte-americanas, mas não noticiaram a vitória de Obama que ocorrera justamente naquele dia. Provavelmente a gravação foi feita antes de se saber o resultado e não havia nada "ao vivo" no programa. Na verdade, eles não deram muito destaque a isso no noticiário, como fazemos no Brasil em que há cobertura especializada, debates e etc. e tal.

Fui cochilar e só acordei no dia seguinte: café, praia, mais descanso, piña colada, comida, essa foi nossa "rotina" de férias em Varadero, que poderia ser em Porto de Galinhas, Pipa ou outra praia do Nordeste. O mar era bonito, mas não tanto quanto às praias que ficam na costa do Caribe. Acho que Varadero está para Cuba como Cancún está para o México: um lugar de grandes hotéis em que os locais não entram, salvo para trabalhar.

Varadero é uma das grandes contradições do país. É uma ilha dentro da ilha, voltada ao circuito do turismo de luxo, tipicamente capitalista, repleto de resorts que trabalham com o sistema all inclusive, um claro estímulo ao consumismo sem limites. Não foi à toa que ouvi de alguém que Varadero não era para cubanos, informação que confirmei depois em um museu de Havana, quando soube que os ilhéus são proibidos de ir à Varadero (entram apenas com autorização oficial, o que significa proibir o livre trânsito). Eis aqui uma violação frontal ao direito de locomoção inscrito na declaração universal dos direitos humanos, o que se torna mais grave já que se trata do próprio território nacional.

Perguntei sobre isso a um cubano que trabalhava na academia hotel como instrutor e ele confirmou. Acorda todos os dias às 4:00 da manhã, pega um ônibus do hotel que leva todos os que lá trabalham e fica até aproximadamente 5:00 da tarde. Está lá há 12 anos. Vi o cara, que deve ter entre 36 a 40 anos, se exercitando com a elasticidade de um adolescente, e perguntei: ginástica olímpica? E ele respondeu afirmativamente, o cara, filho de um chinês com uma cubana, tinha sido da equipe olímpica de Cuba (fiquei de 'cara', lógico), e logo em seguida ele disse que também era instrutor de yoga, tai chi e conhecia algumas daquelas artes marciais que faz você ter habilidade de subir paredes.

No dia seguinte encontramos com Yasser, um guia turístico cubano que nos levou a Santa Marta (praia caribenha na província de Matanzas) para mergulhar. Atração à parte foi o Ford 1957 em que fizemos o trajeto. Muitíssimo bem conservado, barulhento é verdade, mas confortável e espaçoso. O motorista, que adorava buzinar por qualquer coisa, conduziu a uma velocidade entre 80 e 100 km/h e levamos cerca de 2:30h, com uma parada.

No trajeto há muitas plantações de laranja, limão, café e cana-de-açúcar. Passamos pela cidade de Cárdenas, local onde Yasser vive com sua família. Cavalos e carroças espalhados pelas vias são comuns, chegamos a presenciar, no caminho de volta, um inusitado engarrafamento de carroças. A cidade tem "cara" daqueles lugarejos do interior nordestino em que senhorinhas colocam cadeiras nas calçadas pra bater papo e olhar o movimento.

Chegando ao destino, admiramos a paisagem (a praia é realmente paradisíaca), mergulhamos por cerca de uma hora, tomamos uma Cristal (uma das duas cervejas locais) e conhecemos um lago lindíssimo, um espelho d'água, com alguns peixes pequenos que disputam cada migalha de pão lançada à superfície. Segundo Yasser, há uma bomba, deixada desde a época da Revolução, no fundo do lago (20m), que dorme sob os sedimentos, mas que poderia explodir a qualquer hora, lenda um tanto bizarra.

Voltamos em direção a Varadero dispostos a parar em algum lugar pra almoçar. Foi quando aproveitei para amolar os meus amigos cubanos com perguntas. Perguntei sobre saúde, educação, economia, o embargo, o governo, o que eles achavam da Revolução, sobre vontade de sair do país diante da relativa abertura que Raúl Castro está implementando...essas coisas de turista curioso chato.

Yasser respondeu a todas as minhas perguntas. Disse que os melhores anos da Revolução foram os oitenta, quando a URSS comprava muito açúcar, níquel e outros produtos cubanos e chegava muito dinheiro. A saúde e a educação constituem, de fato, sistemas únicos com atendimento universal: nas mesmas escolas e hospitais são atendidos todos, desde os filhos de camponeses aos do mais alto membro do partido comunista o que põe todos em um ponto de partida equivalente (não falo das oportunidades de emprego e salário, que, de fato, são muito limitadas em razão do embargo). Porém, mesmo a saúde e educação, referências premiadas da ilha, perderam qualidade após a queda do bloco socialista europeu.

Sobre a economia eles confirmaram minhas impressões. O isolamento é dramático. Enquanto passávamos por uma indústria de suco de laranja e muitas plantações, próximo a Cárdenas, ele falava das dificuldades provocadas pela escassez de oportunidades de comércio. O país tem a maior reserva de níquel do mundo, além de muitos outros produtos além de charutos e rum, mas o bloqueio econômico, que já dura mais de 50 anos e sofreu nova reprovação da Assembleia Geral da ONU, em reunião ocorrida no período que estávamos lá, confina ainda mais a ilha.

Restrições de comunicação também são evidentes. Yasser disse que paga cerca de U$3 para ter acesso a uma hora de internet em casa, que é muito lenta, prejudicando a sua atividade. Como ele faz fotografias subaquáticas de turistas mergulhando, sofre para baixá-las e enviá-las depois (recebemos apenas três de umas 20 que ele tirou). Mesmo com todas as dificuldades, eles não faziam ares de lamentação ou de revolta. Quando perguntei sobre o interesse em deixar a ilha nenhum dos dois manifestou-se com avidez. O motorista, que usava boné nike e óculos ray ban, tem mãe e irmã que moram em Miami, e pareceu ter o desejo de sair.

Após um almoço excelente no quintal de um cubano chamado Chuchi, que é pescador e mantém um restaurante em sua casa, onde é possível comer um prato com lagosta, camarões e partes do "cangrejo" gigante como o da foto, acompanhados de um arroz típico cubano (uma espécie de baião de dois com feijão preto) e salada (com alface, tomate pepino e abacate) por 12 pesos cubanos, o que achei muito bom, considerando que em qualquer lugar em Brasília o equivalente sairia por uma pequena fortuna de 100 a 150 mangos ou mais, sei lá. 

Voltamos à rotina do turismo capitalista "fantasia" do hotel, para mais dois dias de comilança geral, mojitos, piñas coladas, chopps, muito sol e espetáculos de dança "pra turista ver" no teatrinho noturno. Canadenses e holandeses foram as figuras mais frequentes no local, mas conhecemos algumas brasileiras que estavam de passagem para um congresso de nutrição. A essa altura eu já estava ansioso pra conhecer Havana, mas essa é uma historinha pra outro post.

3 comentários:

Anônimo disse...

Muito bom o texto, Douglas. Li todo. Bom poder contar com umafonte mais abalizada e crível que a revista Veja. Parabéns!
Tiago, seu primo.

Anônimo disse...

iAo ler esse texto,parece que viajei junto. Muito bom. Estou ansiosa pra ver o próximo sobre Havana.
Bjos

Aldinha

Fábia Castro Alves disse...

Que bom que voce voltou a atualizar o blog!

:)