24 de novembro de 2008

Gilmar Mendes, o STF e o Guardião da Constitição: o debate Kelsen x Schmitt permanece bem atual.


A QUEM CABE A DEFESA DA CONSTITUIÇÃO?

As discussões sobre em que instância de decisão político-jurídica, chefia do Estado ou Tribunal Constitucional, deve se dar a preservação das normas Constitucionais e a unidade do Estado de Direito para melhor servir aos propósitos da democracia parecem mais atuais que nunca no Brasil.

Acabo de ler a entrevista concedida por Gilmar Mendes à imprensa após o término do 6º encontro de Cortes Supremas do Mercosul (http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=99519) que, fazendo o papel do bom "anfitrião" que mantém a "casa bem arrumada" para os visitantes, ressalta as qualidades do papel recente desempenhado pelo STF no exercício da jurisidição constitucional das liberdades fundamentais dos cidadãos brasileiros e dos "bons préstimos" que a Corte tem oferecido ao país.


Embora coerência não seja lá uma das suas grandes virtudes, a julgar pelas últimas ocorrências e declarações sobre alguns julgamentos da Corte (e não precisa pensar muito pra saber quais são), o discurso do presidente do STF parece bem semelhante com o texto de sua autoria prefaciando a obra "O Guardião da Constituição", publicada pela Editora Del Rey em 2006, onde Gilmar posiciona-se ao lado da tese defendida por Kelsen, ou seja, de que é o Tribunal Constitucional o foro adequado para a defesa do texto constitucional (sobre o tema vale a pena ler uma matéria publicada no caderno Mais do jornal Valor Econômico em 21/11/08 intitulada A inspiração para Gilmar Mendes, que fala sobre a influência dos seus estudos na Alemanha e da doutrina de Peter Häberle nas convicções do Ministro.
Bom, mas enquanto para Schmitt, filósofo e jurista alemão, filiado ao partido nazista em 1933, e considerado por alguns como "o juiz de Hittler" apresentava a idéia de que caberia ao Presidente do Reich, por questão de legitimidade, a guarda da Constituição (ressalte-se que sua tese foi concebida antes da sua filização partidária e ainda sob a égideda Constituição de Weimar de 1919 - de feição liberal e burguesa, mas com vários direitos sociais encartados); para Kelsen tal concentração de poder nas mãos do chefe do executivo não seria salutar para um regime democrático, apostando mais no entedimento "técnico" de um órgão semelhante ao de um tribunal judiciário, mas que estivesse fora da estrurura de qualquer dos poderes.
Por vezes parece que Kelsen foi vencedor desse debate, em outros casos é possível atribuir razão à Schmitt, coisas da dialética inerente à própria democracia e a política de modo geral, mas o que chama a atenção é como essa dicotomia parece atual nas discussões sobre o atual papel do STF e da própria jurisdição constitucional, razão pela qual a leitura das obras é tão importante para compreender esse fenômeno.
Vejam nos seguintes trechos como o entrevistado Gilmar responde a três questionamentos que envolvem/envolverão a Corte:
Medida Provisória (decisão do presidente do Senado sobre MP das entidades filantrópicas)

Gilmar Mendes - Os senhores vão me poupar de responder a isso, até porque pode haver uma judicialização contra esse ato do presidente do Senado. Os senhores sabem que há uma crise desse modelo de medida provisória, eu tenho falado sobre isso e até tenho apontado a exaustão desse modelo. Eu falo com toda a sinceridade, fui assessor de governo, advogado-geral da União, de certa forma era um pouco apontado por aí como o responsável pela edição de todas as medidas provisórias. Trabalhei no modelo da Emenda [Constitucional] 32, esse que reviu o modelo das medidas provisórias. Na época, me lembro que falei com o [então] senador José Fogaça, que batia muito nessa fórmula do trancamento de pauta. Eu dizia, se nós continuarmos com esse modelo, de um número excessivo de Medidas Provisórias combinado com trancamento de pautas – até essa imagem os senhores já usaram na mídia –, nós vamos ter um tipo de roleta russa com todas as balas no revólver. Você pára o Congresso toda hora. E é o que está acontecendo. Tanto é que o Congresso, agora, diz que só decide dentro daquelas janelas deixadas pelas MPs. Portanto, ele foi expropriado do seu direito de agenda. É isso que aconteceu. E por isso o Congresso começa a buscar alternativas. Se essa alternativa é correta ou se não é, isto o tempo dirá.

Nova proposta de indiciamento de Daniel Dantas confronta com os dois habeas corpus concedidos pelo STF?

Gilmar Mendes - O Habeas Corpus aqui só discutiu prisão provisória e prisão preventiva. Investigação, denúncia, isso é coisa da primeira instância mesmo. Aqui só se discutiu se havia pressupostos ou não para a prisão provisória. Há um erro muito elementar que até experts fazem – vocês fazem também – mas os experts em geral, às vezes os procuradores, de confundir os pressupostos da prisão preventiva, da prisão provisória, da prisão cautelar em geral, com os pressupostos para oferecimento da denúncia. Significa dizer, se há ou não a prática em tese do delito. Se há ou não a prática do delito, isso justifica o oferecimento da denúncia. Agora, se a pessoa pode fugir, se pode de fato evadir-se, se pode consumir provas, etc, podem estar ou não presentes os pressupostos da prisão provisória. São coisas totalmente diferentes. Vejam se vocês ajudam os procuradores, inclusive, a entenderem isso.
Julgamento de Paulo Medina – já foram dois dias de julgamento, mas ainda não se entrou efetivamente no mérito, só nas preliminares, na defesa. Existe um excesso de cautela nesse caso, por ele ser ministro do STJ?

Gilmar Mendes - Não. É assim que o Tribunal trata processo penal. Se os senhores olharem os habeas corpus que são discutidos aqui, [vão perceber] o cuidado que nós temos ao tratar desses processos. Os senhores tiveram oportunidade de acompanhar o julgamento. O STF tem uma importância muito grande porque ele decide o caso, principalmente em uma matéria como essa, de direitos fundamentais, mas a sua decisão se projeta para além do caso. As pessoas começam a citar frações da ementa, pedaços da ementa, para dizer que o Tribunal decidiu desta ou daquela maneira. Por isso que nós temos que ter muito cuidado. Formulamos nossos votos e fazemos aquilo que na linguagem técnica se chama “obter dictum”, coisa dita de passagem, para deixar claro o que nós pensamos sobre isso, para não fazermos autorizações indevidas, que depois podem dar ensejo a práticas arbitrárias. E eu até disse ontem uma coisa, sobre a qual venho refletindo: um Tribunal como este é muito importante pelo que ele faz, em termos de realização de direitos. Mas ele é muito mais importante pelo que ele evita que se faça. Significa dizer: pelo tipo de pedagogia que ele introduz, e evita que agentes policiais, procuradores, juízes e delegados perpetrem arbitrariedades. Por isso que nós temos que ter cuidado quando temos um julgamento como esse.
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Nas três respostas, sem maior aprofundamento, é possível identificar o seguinte: O Executivo é o grande responsável pela atrofia do sistema legislativo do país (ou seja, não pode o chefe do Executivo acumular mais poder dos que já estabelecidos na CF, mas o STF sim, já que a CF é o que ele diz que é - não é?); o MP e o Judiciário de 1ª instância no caso Dantas andaram cegos, doentes, já que esqueceram conceitos elementares de processo penal (precisamos de um ente maior, fora dessa estrutura, com superpoderes para dizer o que é melhor-sempre); o STF e suas inovadoras técnicas de decisão (que de novas não têm lá muita coisa e estão sendo revistas com muitas restrições na sua matriz-Alemanha) é que tem oferecido as respostas adequadas e satisfatórias aos brasileiros, fator que contribui com a nossa democracia.
Coincidência com a concepção de Kelsen?
Que modelo está certo ou errado? É possível definir que há aqui uma resposta juridicamente adequada (na forma da moldura kelseniana) para resolver os nossos problemas?
Acho que estamos precisando revisitar a obra de Carl Schmitt, ainda que seja só para criticar o que está posto, afinal, a quem serve a conveniência do consenso?

2 comentários:

Anônimo disse...

Interessante o raciocínio, principalmente no tocante ao “se achismo” do STF, que se atribui a última voz, não apenas no âmbito do poder judiciário, mas em tudo. Parece que só quem legitima o Estado Democrático de Direito é nosso Supremo Tribunal, o qual não me surpreenderá se constituir nova tese no sentido de Poder acima dos demais poderes...

Anônimo disse...

Douglas, adorei.... Assim vou virar sua fã !!! kkkkkkk

Vou divulgar seu blog.

Mas, em uma análise irônica do assunto kkkkkkkkk
Agora pergunto: E concentrar o poder nas mãos do STF, órgão integrante do poder judiciário, é salutar para um estado democrático de direito?
O STF desenvolve tão bem seu papel de tribunal constitucional que, muitas vezes, penso que não faz parte do poder judiciário. No entanto, também não se encaixaria no modelo de tribunal constitucional de Hans Kelsen, visto que o STF faz parte do poder judiciário e age como se fosse um quarto poder capaz de exercer controle sobre o executivo, legislativo e judiciário, o que resulta na mesma concentração de poder que se opõe Kelsen.
“Será que o ideal seria positivar esse quarto poder? Então sugiro o nome: PODER SUPREMO rsrsrsrsr órgão autônomo, independente, não vinculado a nenhum poder, exercendo total controle sobre os demais poderes, com função de zelar pela correta interpretação e aplicação da Constituição (se esse poder já atua no Brasil é apenas coincidência ). Kkkkkkkkkk Em nome da democracia.”
Beijoss.