20 de novembro de 2009

Ideologia: que palavra é essa?

Hoje o editorial do jornal gaúcho Zero Hora traz um texto cujo título é no mínimo curioso, "Mais sensatez, menos ideologia", disponível aqui: http://zerohora.clicrbs.com.br/zerohora/jsp/default2.jsp?uf=1&local=1&source=a2723254.xml&template=3898.dwt&edition=13561&section=1011.


Nele o editor parece encampar a tese de que a autoridade do STF "corre perigo"ao deixar a decisão sobre a permanência de Battisti no Brasil para o Presidente da República, considerando "as pressões ideológicas dos movimentos e pessoas" que garantiriam a sustentação política do governo, lembrando ainda o caso dos boxeadores cubanos que desertaram durante os jogos pan-americanos no Rio de Janeiro em 2007, afirmando que também naquela ocasião "o governo brasileiro optou pelo viés ideológico e entregou os desertores às lideranças cubanas", para ao final defender que o respeito à tradição de a Presidência em seguir o entendimento fixado pelo STF na matéria, e que a valorização do próprio instituto da extradição pelo Brasil seria reforçado se "a decisão presidencial passar ao largo do patrulhamento e seguir a orientação do Supremo tribunal Federal"
Posta de lado a discussão jurídica sobre correção ou não do entendimento do STF sobre a extradição de Battisti, parece que quanto à prevalência da competência do Presidente da República para dar a palavra final sobre a entrega do ex-ativista às autoridades italianas não pairam tantos questionamentos, dirigindo-se agora a atenção da mídia para os termos da decisao do chefe da nação.
E é aí que os veículos de comunicação dedicados, quase em tempo integral, a criticar o governo Lula, independentemente do conteúdo ou do resultado das ações governamentais, escorrega e se expõe à observação e crítica dos leitores um pouco mais atentos.
Não se pretende aqui fazer uma análise acurada das figuras de linguagem e o papel que os silogismos ocupam na defesa de uma ou outra idéia, tarefa de que, em parte, se ocupa a retórica, mas se busca aqui identificar como o termo ideologia é usado de maneira um tanto pejorativa no intiuito de desprestigiar um entendimento contrário ao acolhido por quem escreveu o editorial.
O cotidiano dos operadores jurídicos está repleto de situações idênticas. Creio que todos que lidam com o direito ou acompanham com alguma frequência o debate político nacional já devem ter percebido que quando o autor ou o réu pretendem o resultado que lhes seja útil no processo, utilizam de argumentos que visam tornar insubsistentes as razões do oponente ou mesmo desqualificá-las (tanto que o CPC autoriza o juiz a determinar a supressão dos autos das expressões que exagerem ou sejam ofensivas, podendo o serventuário riscá-las), assim como ocorre quando um parlamentar da oposição critica uma atitude da situação ou vice-versa, proferindo palavras nada elogiosas, que quando não causam apenas a inflamação do debate, podem configurar verdadeira conduta injuriosa ou caluniosa, salvaguardadas pela imunidade parlamentar.
Pois bem, tal estratégia parace ter sido utilizada pelo autor do texto ao acusar o governo de adotar uma postura ideológica.
Brilhantemente cantada por Cazuza, a Ideologia é uma dessas palavras que quando utilizadas parecem estar atreladas a uma carga negativa de sentido muito forte. Tanto que eu disse acima que o editor assume uma posição de "acusador" já que emprega o termo ideologia para criticar ações do governo na condução de assuntos internacionais, sob a pressão de movimentos e pessoas que lhe conferem sustentação, estando sob permanente "patrulhamento", observe-se aqui quantas outras expressões de cunho pejorativo/negativo aparecem associadas à controvertida expressão ideologia.
Diversas outras passagens jornalísticas ou literárias podem exemplificar como a palavra ideologia adquire sentido pejorativo quase nunca associado ao que etmológicamente a expressão quer significar. É praxe, quando não se concorda com o que o interlocutor diz ou faz acusá-lo de estar sendo ideológico parece conferir ao seu próprio discurso um caráter cientificamente ou tecnicamente fundado, enquanto o outro apresenta apenas engodo ou ornato para sustentar uma posição questionável. Em resumo, confronta-se a "verdade" e o "discurso", registrando-se como este é frágil e sujeito a manipulações.
Por curiosidade fui lá no wikipedia dar uma olhada no que se construiu sobre o termo ideologia, o que pode ser visto aqui: http://pt.wikipedia.org/wiki/Ideologia onde achei 2 sentidos para a a palavra, o proposto pela teoria crítica da Escola de Frankfurt, associada ao sentido empregado por Marx, e um outro sentido, neutro, que quer dizer apenas um conjunto de idéias de um determinado indivíduo ou grupo.
Em um ou outro sentido, a depender do ponto de partida assumido por aquele que escreve assim como por aquele que lê, parece que todos nós, assim como Cazuza, precisamos de uma ideologia pra viver.
Bom final de semana e carpe diem a todos.

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