18 de novembro de 2009

Mais um caso de "descaso" da imprensa: quando a opinão publicada constrange...


Julgamento findo, extradição concedida, mas entendimento ainda controverso. Sem entrar no mérito dos consideráveis votos que negavam a extradição do italiano Cesare Battisti, seja pela competência discricionária privativa e não sindicável do Presidente da República em conceder o refúgio político, seja pelas alegadas razões humanitárias consignadas pelo Ministro da Justiça, Tarso Genro, ou ainda pela questionável regularidade dos processos criminais a que o ativista respondeu na Itália, parece-me (registrando o quão superficial é tal conclusão), ao contrário do que sustentou Luís Roberto Barroso e o Prof. Celso Antônio Bandeira de Mello, acertada a decisão do Supremo em extraditar Battisti, pelo que se viu e ouviu dos debates e apreciação de provas feitos pelos ministros do STF.

O que não me parece justo, e efetivamente não é, é o tratamento dado ao assunto por parte da imprensa, diga-se o jornal Folha de São Paulo, ao especular "nebulosas" interferências promovidas pelo ilustre administrativista e pareceirista Celso Antônio Bandeira de Mello, na formação do entendimento revisto e ajustado pelo Min. Carlos Ayres Britto, com insinuações e entrelinhas nada honrosas dirigidas a ambos os juristas.

Pois bem, hoje o Migalhas traz uma carta escrita por Celso Antônio, que brilhantemente esclarece o seu papel no julgamento do caso Battisti (emissão de um parecer, a título gratuito, que instruiu parte da defesa do italiano), confirmando o que o meio jurídico já sabia, o Prof. Celso agiu de acordo com sua consciência, expressando o que entendia ser o justo, e não utilizando-se de influências palacianas (lobby anti-ético) para obter a alteração da convicção de um ministro, ainda que este fosse seu amigo e admirador.

Adiante as palavras do Prof. Celso Antonio, sempre consistentes e esclarecedoras:

"DD Editor do 'Migalhas', há alguns dias, precisamente em 8 de novembro do corrente, um diário paulista que é reputado idôneo por um grande número de pessoas e cujas notícias, bem por isto, são recebidas por seus leitores como presumivelmente verazes, publicou em uma de suas colunas, localizada na página 2, uma peluda mentira envolvendo o meu nome. Com efeito, ali se dizia que o eminente Ministro do Supremo Tribunal Federal, Carlos Britto, estaria sendo assediado por mim para rever o voto que dera no processo concernente ao refúgio do cidadão italiano Cesare Battisti. Chegou-se nela a qualificar-me como 'mentor' daquele magistrado, o que é, obviamente um ridículo disparate e uma inqualificável grosseria em relação a um jurista notável, magistrado de escol e reconhecido constitucionalista o qual, por seus notórios atributos, não precisa, como é evidente, de mentor algum.

Em momento algum 'assediei', para usar a expressão encontrada na coluna, qualquer magistrado fosse ou não da Corte Suprema. Simplesmente emiti um parecer jurídico, acostado aos autos, em caso no qual me parecia que anular o refúgio seria um erro de grandes proporções e que conviria buscar exibir isto de um ponto de vista técnico do Direito. Acresce que, em meu entender, seria gravemente antiético pressionar um magistrado em nome de uma relação de amizade que com ele se tivesse. Jamais fiz ou faria isto. Minha dignidade pessoal e profissional se incompatibilizaria definitivamente com uma conduta deste jaez.

Ademais, o Ministro Carlos Britto, obviamente, por sua inatacável seriedade e independência, de que já deu as mais sobejas provas, nunca aceitaria que alguém tivesse a petulância de tentar influenciá-lo fora dos autos e das vias juridicamente cabíveis e jamais seria influenciável por outros meios que não os de direito. Somente alguém muito desinformado ou tolo poderia pensar coisa diversa. Assim, se acaso este magistrado mudasse de ponto de vista, seria por convicção extraída de argumentos de direito expendidos pela vias apropriadas. Não seria a primeira vez que ele ou outros de seus colegas reviram uma manifestação anterior, mas só o fariam na conformidade de um repensar arrimado em razões jurídicas ponderáveis e apresentadas segundo os termos processuais adequados.

Pareceu-me, à época, que não era o caso de me manifestar a respeito destas indelicadezas e inverdades. Julguei que fazê-lo seria dar um excesso de importância a notícia de jornal que, como se sabe, nem sempre retrata as coisas como realmente são. Leigos, frequentemente sequer avaliam que suas palavras têm um caráter ofensivo por implicarem inculca de violação de preceitos éticos da profissão jurídica.

Ocorre que uma segunda notícia, veiculada no dia 16 do corrente, no mesmo jornal e ainda mais agressiva e ofensiva, surgiu em uma seção intitulada 'Painel', fato que me levou a sair do silêncio em que me mantinha. Já agora ali se disse que fui 'contratado especificamente para influenciar o pupilo'. Forte inverdade e notável grosseria com o Ministro e comigo ! O parecer que exarei não foi especificamente para o Ministro tal ou qual. Foi entregue ao eminente advogado prof. Luís Roberto Barroso para que o distribuísse aos vários Ministros, na esperança de que, ante os argumentos ali expostos, se lhes parecesse, revissem os votos contrários a Cesare Battisti. O professor Barroso procedeu a esta distribuição, consoante me disse. Se eu houvesse sido 'contratado' para influenciar um dado Ministro com quem tivesse relações pessoais, estaria incurso na chamada 'advocacia administrativa', conduta indigna de um profissional sério e respeitado.

Sobremais, diversamente do que consta da mentirosa notícia, não fui 'contratado', como disse o 'Painel'. O parecer foi proferido graciosamente. Nada recebi por ele. Eu o elaborei, a pedido do eminente advogado, convencido de que estaria com isto tentando ajudar a que se impedisse a consumação de grave equívoco jurídico e injustiça dolorosa. O propósito era evitar que o Supremo Tribunal Federal incorresse em um dos maiores erros judiciários de sua História.

Estou encaminhando esta manifestação ao 'Migalhas' e não ao jornal que publicou as inverdades, precisamente porque desdenho dar a ele importância maior do que a que fez por merecer. Com efeito, se estivesse interessado em uma conduta responsável e equilibrada, já teria se retratado. Eis porque me dirijo a um sítio jurídico que tem grande audiência e respeitabilidade entre os profissionais do Direito. Não creio que o Ministro Carlos Ayres Britto ou que eu mesmo necessitemos de dar explicações, pois nossas respectivas vidas profissionais servem-nos de testemunho, mas creio que é bom que os leitores do 'Migalhas' tenham esta informação sobre a conduta do jornal em questão e que possam daqui para o futuro precatar-se em relação à veracidade e precisão do que nele se divulga."

Celso Antônio Bandeira de Mello

Então eu também pergunto:
"Por que nos contentamos com viver rastejando, quando sentimos o desejo de voar?" Helen Keller (escritora norte-americana)

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