4 de setembro de 2009

Educação como responsabilidade política é possível?

Recebi esta semana, através da lista de e-mails da Procuradoria, um artigo assinado pelo colega Fernando Araújo, que gentilmente autorizou sua plublicação aqui no blog.
O texto apresenta uma interessante e crítica visão sobre a política educacional em tempos que o próprio sentido de "política" parece confundir-se com as práticas eticamente condenáveis de muitos dos mandatários eleitos pela população, renegando ao termo o virtuoso sentido preconizado por Aristóteles na "Política" e provocando, inclusive, a reflexão sobre o modelo adotado, como o fez recentemente o Prof. Dalmo Dallari, ao sugerir a extinção do Senado, em entrevista que se pode ler aqui: http://www.reformapolitica.org.br/index.php?option=com_content&view=article&id=237:fim-do-senado-precisa-ser-discutido-entrevista-com-dalmo-dallari&catid=54:opiniao.


Falar de educação é sempre um tema delicado, especialmente em um ambiente democrático, quando o que mais se prega é a abertura procedimental de institutos políticos e jurídicos de modo que os mais diversos atores sociais tenham voz na formação da decisão. Mas, como fazer-se presente, apresentando voz e pretendendo "vez", sem acesso à educação e informação qualitativa?

Vamos então ao artigo do Dr. Fernando e suas pertinentes considerações.


POLÍTICA E EDUCAÇÃO

Fernando Araújo*

É preocupante a idéia de política que está sendo plasmada no coração e mente das novas gerações por conta da atuação nociva de muitos homens públicos. Deles se esperava os melhores exemplos, compatíveis com as palavras normalmente inflamadas. Falta-lhes, contudo, coerência, sintonia entre o verbo e a ação. Daí ter dito Santo Agostinho com toda propriedade que a palavra convence, mas o exemplo arrasta. Não por outra razão, a atividade que deveria merecer o respeito e a admiração de todos, como ciência e arte para o bem comum, o interesse de todos, é hoje tida e havida como “balcão de negócios, conjunto de espertezas, atividade de picaretas, teia de interesses”, entre outros adjetivos nada enobrecedores. Isso tem gerado um total e completo afastamento das pessoas dessa importante atividade. De parabéns estão aqueles que, mesmo diante desse tsunami de imoralidades, conseguem passar incólumes, cumprindo com dignidade e honradez o seu dever cívico. Foi Rousseau quem advertiu: “Quando alguém disser dos negócios do Estado – Que me importa? – pode-se estar certo de que o Estado está perdido”. Na prática, é isso que eles querem: uma minoria de espertos governando a maioria de descontentes e desinteressados. Todavia, essa lógica de funcionamento social produz um resultado devastador, qual seja a desqualificação do sistema educacional, mantendo-o nos mais baixos índices do mundo, uma vez cotejado com os países do chamado primeiro mundo. Portanto, quanto mais tardar a capacidade de reação de todos, principalmente dos jovens, pintando outra vez a cara e indo à guerra, mais demorado será o início dessa tão sonhada Cruzada da Educação. De fato, só por aí teremos um dia um país menos desigual, com mais emprego, mais renda e justiça social. Somente a Escola representa o passaporte do homem das trevas para a luz. É evidente que, dizer isso soa lugar comum, se não entendido como desabafo. Um grito de alerta a se juntar a tantos outros Brasil a fora. Sim, porque já se passaram quase três mil anos do momento em que se disse ser a Escola a solução. Pelo menos a partir de Sócrates (469-399 a.C) até Paulo Freire (1921-1997). Esse, primeiro, filósofo grego, dizia ser indispensável ensinar os jovens a conhecer o mundo e a si mesmos. Freire, por sua vez, tendo vivido em outra realidade social, inovou com sua pedagogia do oprimido. Entendia que a Escola devia ensinar o aluno a “ler o mundo” para poder transformá-lo. Por isso, criticava o tipo de ensino comum nas escolas, as quais depositavam conhecimentos em alunos apenas receptivos, dóceis, o que ele qualificava de “educação bancária”. Essa é, aliás, perspectiva que faz lembrar o pensamento de um dos pais do humanismo – Erasmo de Roterdã (1469-1536), para quem o ser humano se moldava por meio da leitura e da liberdade de conhecer. O nunca assaz lembrado filósofo inglês Bertrand Russell disse certa vez que o motivo que levou o Estado a investir na educação oficial foi o fato de ter percebido a vergonha de um país ser chamado de civilizado com gente que não sabia nem ler e nem escrever. Ademais, com a educação se percebeu a diminuição da criminalidade. Isso parece que voltou a ser esquecido. Todavia, como ele, quero não parecer contraditório, ao me declarar cético diante de tão triste quadro político, e ao mesmo tempo acreditar que a razão vai ajudar a transformar a vida humana.

* Fernando J P Araújo é Procurador Federal, lotado na PRF5, Núcleo de Ações Diversas. É também Mestre e Doutor em Direito Público pela UFPE, bem como Professor de Direito Administrativo e de História do Direito no Recife. Tem diversos livros e trabalhos jurídicos publicados, entre os quais Aspectos da História do Direito no Brasil, em 2ª edição. (fernandojparaujo@uol.com.br)
- Artigo publicado no Diário de Pernambuco de 02.09.2009

Um comentário:

Anônimo disse...

Douglas,
Ótimo tema, e o artigo do Dr. Fernando representa bem o sentimento atual, descrença geral no quadro político e na falta de investida na educação, sendo esta última esperança de se fazer política verdadeira, pautada em princípios éticos, e não política de troca de favores.
Sempre acreditei na educação como instrumento apto a conscientizar o cidadão e viabilizar sua participação efetiva na vida, considerando seus vários aspectos, a política, a participação social, a condição de vida humana digna.